Era quase religioso.
Quando se aproximava das seis da tarde, parava o que quer que estivesse fazendo, e ia pra casa.
Ele podia levar algum trabalho, ou até ter que voltar pro escritório depois de um tempo, mas ao entardecer, tinha seu momento de reflexão. Chegava e largava a mochila sob a primeira cadeira a vista, e logo se dirigia ao armário para preparar o café. Colocava ainda inexperiente a água e o pó na cafeteira, presente de casa nova, e ia pra varanda com seu cigarro enquanto esperava o aroma do café denunciar que o ciclo tinha terminado.
E ali, naquela varanda, com o sol se pondo por trás das arvores, pensava sobre tudo.
Sobre o quão sobrecarregado estava no trabalho, sobre a falta que fazia estar de bem consigo mesmo, e sobre ela.
Ela que mal chegou, e nem deveria habitar seus pensamentos, era presença cativa em qualquer situação imaginária. Foram apenas algumas semanas, mas as melhores "algumas semanas" de muito tempo. Ele demorou a se entregar, até porque vinha de um longo relacionamento, e sabia que aquela menina, ainda mais nova que ele, não suportaria seu modo de ver e viver as coisas. Ele sempre soube que eram incompatíveis.
Ela, por sua vez, não perdoou. Insistiu, mostrou que podia dar certo, demonstrou não ligar para suas alternâncias de humor e pensamentos, e até pareceu gostar do que por vez ou outra ele arriscava escrever num bloco de notas aleatório. Tanto fez, que o ganhou de vez.
Mas eles eram muito parecidos. Se falavam durante todo dia, se ligavam todas as tardes, e nunca faltava assunto. Tão iguais que ele nem percebeu quando ela se sentiu segura, e por isso pisou no freio da relação.
Hoje, não se falam mais, não se veem mais, e só restou o vazio.
Pra ele. Porque dela, já não tinha noticias a meses.